35 anos de navegação sem cabotagem

Meu português se fez mulato, caboclo e crioulo.
Tem cores, aromas e sons
Que não competem a um dicionário explicar.

Meu português não perseguiu ouro,
Pedras preciosas e demais especiarias;
Não fez monumentos,
Não cometeu tormentos,
Não se desenhou nas desventuras,
Não construiu desgraças maduras,
Não fez guerras,
Nem gastou fortunas.

Meu português não é pátrio,
Nem glorioso,
Nem obra de um poeta teimoso,
É antes uma invenção de um Todo-Poderoso
Muito pouco preconceituoso.

Minha língua me soa estrangeira...
Não tem maneiras...
Não tem peneiras...
Se mexe
Se requebra
Se bamboleia
Se solta
Se agita
Se toca
Se desatina
Se desafina

Faz uma roda de capoeira
E canta
E dança
E baloiça
Ao som de berimbau
E bateria.

Meu português sabe a canela,
Cheira a café
E a cacau derretido numa panela.

Meu português não é uma caravela,
Nem galeão,
Nem jangada de pedra.
Meu português é argonauta,
Sabe de latitude e longitude,
Parece mais um pirata pernalta.

Meu português navega,
Rabisca uma aguarela,
Um teorema,
Uma prosa meio manhosa e caprichosa.

Meu português
Nasceu nas praias
Do amor das maresias,
Fez-me sinais
Seduziu todos os meus locais,
Acabou a perfumar o meu cais

Meu português tem algo de animal.
Meu português é mulato, caboclo, crioulo

É tudo isto e talvez mais um pouco...

Sofia d'Oliveira
www.projecto-c.com